domingo, novembro 20, 2016

Tributos necessários #2

Fui convidada para a inauguração desta placa. O nome que lá está é o do meu pai. O meu pai era um atleta dedicado a todas as associações da sua terra. Era sócio de tudo.

Adorava pregar partidas, adorava rir, não adorava Deus nenhum, não acreditava em nada. Era um matemático amador (talento que não herdei, infelizmente). Gostava muito de comer, gostava de viver intensamente as coisas boas da vida e era uma pessoa cheia de paz. Era um boémio, um gourmet de esquerda, um homem simples extremamente inteligente e perspicaz, um homem político.

A alma mais completa que já conheci. Vivia bem na sua pele, não tinha complexos, nem medos. Partilhámos milhares de silêncios em contemplação de qualquer coisa. Ele ensinou-me (pelo exemplo próprio) a viver bem com o silêncio. Não existe nada mais pleno do que duas pessoas em contemplação partilhando silêncio. Foi através da partilha de silêncios que também me ensinou a falar com os olhos, conseguíamos comunicar só com olhares, essa é uma cumplicidade difícil de alcançar.
Ensinou-me a ter calma, a ser ponderada, nunca agir a quente. Ensinou-me a ser descontraída, responsável. Serei eternamente grata pelos anos de aprendizagem que pude ter enquanto ele andou por este mundo.

Já tenho que fazer um esforço para me lembrar da voz dele. É-me mais fácil lembrar do cheiro do casaco que punha em cima de mim quando chegava da rua e me via deitada no sofá sem nada para me tapar. Cheirava a uma mistura de tabaco com after shave. Gostava daquele cheiro, não por ser espectacular mas por ser dele. Cheirava a segurança.

Os contadores de sonhos dizem que antes de nascermos escolhemos a família onde vamos nascer, numa tentativa de termos nessa família o apoio para corrigirmos as falhas da nossa alma. Não sei se saberei algum dia se isso é uma verdade ou fantasia. Gosto de pensar que sim. Tive um excelente professor.